quarta-feira, 28 de novembro de 2007

“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais" Drª Luisa Trindade - CERCIMOR

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
SUBCOMISSÃO PARA A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

Audição Parlamentar
“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais”

16 de Julho de 2007
Assembleia da República
Sala do Senado

Oradora: Drª Luisa Trindade


Esta foi a comunicação apresentada pela representante da Cercimor, do sector da Intervenção Precoce:
"A CERCIMOR, Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Montemor-o-Novo, surgiu em 1976, como tantas outras CERCI’s, por iniciativa de uma comissão de pais de crianças deficientes, de técnicos e de outras pessoas interessadas. Foi criada com o objectivo principal de dar respostas educativas a crianças e jovens deficientes e a outras situações de desadaptação social dos concelhos de Montemor-o-Novo, Vendas Novas, Arraiolos, Mora e Viana do Alentejo.

Ao longo dos anos, foram surgindo novos desafios e constituíram-se novas respostas:
- O Centro de Apoio Ocupacional,
- O Centro de Formação Profissional,
- O Projecto Sócio Educativo,
- O Centro de Emprego Protegido (CEP) "Artes e Ofícios
- Centro de Atendimento à Família e Apoio Parental (CAFAP)-

Finalmente, em 1993 é criado o serviço de Intervenção Precoce de Montemor-o-Novo, tendo como modelo o PIIP de Coimbra e a ajuda e amizade do Dr. Luís Borges.

Neste âmbito, foram criadas as parcerias com a Saúde, Segurança Social, Educação, e Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, sendo a Cercimor a entidade promotora do serviço.
Desde logo foi afecta uma equipa multidisciplinar, que faziam os apoios, a crianças e suas famílias dos 0 aos 6 anos, nos seus contextos de vida.

Deixando de lado a “estimulação precoce” que se refere só ao trabalho com a criança, passou-se para um novo modelo, em que também engloba a estimulação da criança, mas no seio da sua família, usando os recursos da sua comunidade.

Este novo serviço ouve as necessidades das famílias;
Dá-lhes apoio emocional (ouve as suas alegrias as suas tristezas, acredita nos seus sucessos);
- Dá suporte às famílias (na marcação de consultas e, por vezes , no acompanhamento e nos transportes;
- presta apoio informativo, (sobre o desenvolvimento da criança e recursos da comunidade).

Todo este serviço é prestado gratuitamente, respeitando os interesses, rotinas diárias, prioridades e forças das crianças e famílias.
Dá-lhes poder nas suas decisões, sem aumentar o seu cansaço e stress em deslocações às terapias, e de acordo com o que o Professor McWilliam, tem escrito e dito nos nossos congressos: “a criança aprende ao longo dos dias da semana e não em sessões específicas e limitadas. A visita é um serviço. A intervenção ocorre entre as visitas. É de máxima intervenção que a criança necessita.”

Outra questão também de grande importância é a idade em que começa a intervenção.
Quanto mais cedo for a sinalização e o apoio, maiores serão as probabilidades de sucesso na criança e mais fácil será a aceitação e o vínculo, no caso de deficiência, pela parte dos pais e da família alargada.

Em Montemor, no começo e durante alguns anos, a entidade que mais sinalizações fazia era a Educação, através dos jardins de infância, (por volta dos 4/5 anos).
Presentemente, graças ao grande empenho da Saúde e ao conhecimento do serviço na comunidade, as sinalizações são quase imediatas ao aparecimento da situação, em idades muito baixas e, em alguns casos, o acompanhamento já é feito ao casal, no período de gravidez.

O Despacho Conjunto nº 891/99, de 19 de Outubro, que define o enquadramento legal da IP,elaborado com grande sabedoria, só foi publicado depois de terem sido consultadas muitas entidades idóneas e com experiência na área da IP.

Em algumas regiões do País,o Despacho foi imediatamente implementado.

Em 2000, na Região do Alentejo, foram constituídos os vários patamares de coordenação, conforme estava previsto no Despacho: uma Equipa de Coordenação Regional, 3 Equipas de Coordenação Distritais e várias Equipas de Intervenção Directa,(EIDs) numa filosofia de articulação e rentabilização de serviços.

Nesta fase, o serviço de Intervenção Precoce de Montemor disponibilizou a sua experiência e conhecimentos, através de reuniões e formações teórico- práticas, com o apoio da saúde XXI, a todas as equipas do Alentejo para que, a implementação ocorresse da melhor forma possível, evitando cometerem-se alguns erros.
Analisando a avaliação efectuada às várias Formações, esta teve grande impacto na aceitação do modelo de IP, no Alentejo.

Todos os anos foram criadas novas respostas concelhias nos vários Distritos. A rede foi crescendo e melhorando as suas práticas!
De acordo com o relatório de actividades da ERA de 2006, praticamente todos os concelhos do Alentejo estão cobertos por Equipas multidisciplinares.
Tudo isto se deve à grande cooperação existente entre Famílias, Instituições, os três ministérios e as comunidades!
Muito dinheiro, tempo e energias têm sido investidos nesta área: formação, material didáctico, viaturas, reuniões com parceiros, com pais, investigações, informações às comunidades nacionais e internacionais.

Em Maio de 2006, em Montemor-o-Novo, um grupo de especialistas de várias universidades europeias, parceiros no Programa Grundtvig (Aprendizagens ao longo da vida – Programa Sócrates), através da Universidade do Minho, elogiaram a nossa legislação, querendo aprender connosco as boas práticas:
-”Como é que Portugal conseguiu fazer uma lei onde junta três ministérios (Saúde, Educação e Segurança Social), e Instituições, falando a mesma linguagem, usando estratégias comuns, discutindo sobre as problemáticas das crianças e suas famílias? – era a pergunta colocada pelos investigadores, e reveladora do interesse pela precursora experiência nacional.

A resposta a este pedido, foi uma nova candidatura a este Programa, com um Projecto na área da IP “Cooperando com os pais em IP”.

Quando tudo parecia caminhar para melhorar o já existente, sem se esperar pelo relatório de avaliação do Despacho, efectuado pelo Grupo Interdepartamental, surgem novidades terríveis, nomeadamente, da parte do Ministério da Educação. A perplexidade instalou-se!!
- as educadoras de infância com mais anos de serviço, mais formação e mais experiência na área da IP, candidatando-se ao Quadro de Educação Especial, seriam afastadas da IP;
- questiona-se a idade de abrangência da IP;
- fala-se na mudança dos critérios de elegibilidade;
- encara-se a deficiência numa perspectiva médica, (há muito posta de parte);
- a inquietação de que, outros técnicos (terapeutas, psicólogos ), não poderiam acompanhar as crianças, a partir dos 3 anos, em contexto de Jardim de Infância
Para nós, a Educação sempre foi e será um pilar essencial neste processo!!!
Ou será que se vão priorizar cuidados de saúde, higiene, segurança e deixar de lado a educação, quando todos estes sistemas já se articulavam, com alguma harmonia?

Na nossa prática, cada família é visitada semanal (uma a três vezes) ou quinzenalmente, de acordo com a problemática da criança e das suas necessidades, pelo seu responsável de caso (terapeuta, psicólogo, técnico de serviço social, educadora de infância).

Algumas destas famílias, com crianças até aos 6 anos, de baixos recursos económicos, que vivem em montes isolados geográfica e socialmente, sem acesso a transportes públicos e sem viatura própria (a algumas resta uma motorizada, como transporte familiar), têm unicamente como visitas, aquelas efectuadas por estes serviços acessíveis, flexíveis, responsáveis e que, percorrendo quilómetros, muitas vezes só o podendo fazer de jipe, lhes levam oportunidades de novas aprendizagens: brinquedos, panfletos, revistas, jornais e conversa; os elogios sobre os sucessos da sua criança, o programar novas metas e sempre a promessa de, na próxima visita, se fazerem outras “brincadeiras giras”!

João dos Santos referia, num trabalho que realizou numa Instituição destinada à reeducação de delinquentes, que alguns adolescentes com mais de 16 anos usavam brincadeiras solitárias com certos brinquedos, mais utilizados habitualmente por crianças pequenas (carrinhos). A observação deste comportamento levou-o a considerar que, existem certas etapas na vida destes jovens que foram “etapas queimadas”,e este tipo de brincadeiras surgiria pela necessidade de voltar atrás e experimentar alguma coisa que lhes tinha faltado no seu passado.
Se a legislação mudar…

Só para exemplificar o risco, que as crianças e famílias de Montemor e Vendas Novas correriam: das 135 crianças / famílias acompanhadas, só 10 crianças têm diagnósticos etiológicos e ficariam no Programa (autismo, Trissomia, sequelas de paralisia cerebral, alguns síndromes), se for mantido até aos 6 anos de idade! Todas as outras, 91 crianças com atrasos de desenvolvimento: com perturbações predominantemente nas áreas da linguagem/comunicação, comportamento/interacção e psicomotor; e 32 em risco de atraso no seu desenvolvimento, devido às interacções familiares perturbadas, pais com deficiência mental e famílias em isolamento geográfico e social, ficarão fora do Programa!

Por tudo o que foi dito, acreditamos que esta instabilidade será passageira e que, num País que tem demonstrado interesse e preocupação em seguir um modelo, defendido pelos mais ilustres investigadores nacionais e internacionais, com princípios ecológicos, sistémicos, inclusivos, comunitários e de rentabilização de serviços, não se deite por terra anos e anos de boas práticas.
As Equipas precisam de tranquilidade e estabilidade para poderem desempenhar com sucesso as suas funções.
As crianças e famílias com quem trabalhamos merecem o nosso respeito.
Por elas, não podemos correr riscos de experimentalismos gratuitos, nem de aventureirismos precipitados.

Termino, com uma frase de Frederico Mayor, que é também, e hoje, um grito de apelo à vossa consciência:

«O Mundo que deixamos às nossas crianças depende em grande parte das crianças que deixarmos ao nosso mundo».

Tenho dito, Obrigada."

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais” Rui Manito (GMPT)

Audição Parlamentar

“As crianças e a igualdade de oportunidades:
riscos múltiplos, necessidades especiais”

16 de Julho de 2007
Orador: Rui Manito


Face a um conjunto de medidas assumidas, pelo Ministério da Educação em matérias de Educação Especial e de Intervenção Precoce na Infância, foi organizado a partir de Março de 2006, um grupo de trabalho misto, constituído por Pais e Técnicos, que tem promovido a discussão, e tem levado a cabo uma série de iniciativas com visibilidade pública.

Estas iniciativas têm por objectivo, a curto prazo, barrar a utilização dos critérios de elegibilidade dos projectos ao abrigo da alínea c) da Portaria 1102/97. Temos vindo a desenvolver alguma pressão junto dos media, e paralelamente apresentámos à Assembleia da República a petição “Pela Melhoria da Intervenção Precoce em Portugal”, discutida recentemente em sessão plenária.

A longo prazo é objectivo deste grupo, continuar a promover a discussão sobre a Intervenção Precoce, bem como proteger e/ou garantir determinados aspectos que se traduzem por:
 Abranger qualquer necessidade especial das Crianças entre os zero e os seis anos de idade;
 Centrar na Família o âmbito de actuação, nomeadamente facultando-lhe de forma integrada e articulada:
 Apoio social;
 Apoio emocional;
 Apoio médico;
 Apoio terapêutico;
 Apoio na gestão doméstica e familiar;
 Informação e Formação sobre:
 Recursos técnicos ajustados e adequados;
 Apoios disponíveis;
 Direitos das Famílias;
 Direitos das Crianças;
 Estratégias para lidar com cada situação em particular.

Tudo isto subentende a existência de uma equipa de profissionais diversificada e com horários sobrepostos.

Assim, enquanto Porta Voz das Famílias, partimos do principio que uma Intervenção Precoce de qualidade é uma medida de apoio integrado, centrada na família, mediante acções de natureza preventiva e habilitativa, designadamente no âmbito da educação, saúde e da acção social, que consiste na prestação de serviços a Crianças desde o nascimento até aos 6 anos de idade, realizada por equipas transdisciplinares, promovendo a saúde e o bem estar, potenciando as suas competências emergentes, minimizando os atrasos de desenvolvimento, remediando deficiências existentes ou emergentes e promovendo as competências adaptativas dos Pais e o funcionamento global das Famílias.

Da experiência pessoal de cada Pai e Mãe, ou seja, das Famílias com Crianças em situação de risco, sobressai num primeiro momento um sentimento de grande aflição entre o momento em que pressentimos que os nossos filhos apresentam algum problema, até à identificação de um possível diagnóstico. Os momentos de sinalização e acompanhamento pelas equipas de Intervenção Precoce revestem-se de alguma tranquilidade e da perspectiva de um caminho que acreditamos ser acompanhado e contextualizado a par e passo.

A partir do momento em que existe uma criança em risco, é a própria Família que está vulnerabilizada, logo em risco. Daí que a abordagem centrada na Família seja um dos aspectos fundamentais de intervenção e que defendemos.

A nossa participação aqui, reveste-se de extrema importância, já que se perspectivam alterações legislativas que vêm colocar em causa não só um modelo de intervenção amplamente investigado, os seus resultados junto das Famílias e Crianças, bem como a estruturação de um trabalho, que em algumas comunidades tem reflectido também a promoção do papel de cidadãos de todos aqueles que estão envolvidos na Intervenção Precoce em Portugal.

Assim, consideramos estarem em risco vários aspectos cruciais na implementação do trabalho de Intervenção Precoce.

O sentimento de que a Família é um membro activo no processo de intervenção nas Crianças, no que respeita à troca de ideias e formas de gerir situações com que Famílias e Técnicos são confrontados diariamente. Este processo de troca, que surge no quotidiano com a frequência que tanto Pais como Técnicos sintam ser necessário, é partilhado no dia a dia com equipas na sua constituição pluridisciplinares. Receamos por isso, que tais encontros passem a ser também eles objecto de critério ou até objecto de legislação, sendo definida a sua periodicidade, e assim diminuída a sua ocorrência.

Receamos também, pelo afastamento das Famílias nos processos de parceria existentes e das tomadas de decisão conjuntas, sendo-lhes imposto a aceitação e subscrição de um plano de intervenção.

Receamos igualmente que o contributo por parte dos principais interessados – Famílias – seja restrito ou mesmo não tido em conta.

Tememos que a intervenção em meio natural da Criança, ou nos contextos de vida onde está a maior parte do tempo seja descriminado.

Deixa-nos perplexos o eventual afastamento da Intervenção Precoce no trabalho com crianças com perturbações de desenvolvimento não visíveis nem permanentes, apostando-se somente em deficiências diagnosticáveis até aos 35 meses de idade, consideradas de carácter prolongado ou permanente. Consideramos estar em causa a perspectiva preventiva que defendemos, em detrimento de uma perspectiva remediativa de intervenção na deficiência. No nosso entender, a intervenção precoce não é tão somente intervenção na deficiência. Para nós a Intervenção Precoce existe para que se previna a deficiência, ou seja para que as dificuldades não sejam permanentes.

Assim, assusta-nos que se defenda somente a implementação da Intervenção Precoce nos jardins de infância públicos. Questionamos a capacidade de resposta destes estabelecimentos para crianças a partir dos 3 anos de idade inclusive, bem como os respectivos horários de funcionamento, que não se coadunam com as dificuldades e necessidades das Famílias.

Apesar de defendermos uma escola pública, defendemos também a sua qualidade, assim como a definição de necessidades e a liberdade de escolha das Famílias. Chama-se a isto também, abordagem centrada na família.
Apesar do pressuposto da escola inclusiva ser aceite e defendida por todos, questionamos, que escola inclusiva. Continuará o pressuposto da abordagem centrada na família? Serão implementadas no terreno equipas transdisciplinares? Serão realizados encontros de avaliação e acompanhamento sistemáticos? Será implementada uma intervenção pela prevenção?

Ao longo do tempo de existência do grupo de Pais e Técnicos, propusemos ser ouvidos pelo Grupo Interdepartamental, que realizou ou estará a realizar um relatório de avaliação sobre o estado da intervenção precoce em Portugal. Desconhecemos ainda os resultados do relatório, apesar das Famílias enquanto parte visada e interessada no levantamento efectuado, ter manifestado disponibilidade, mas não termos sido ouvidos, sendo inclusive remetidos para sede própria.

São estas preocupações e receios que nos levam enquanto Pais e Técnicos, e também cidadãos, a tomar uma posição pública sobre o que poderá vir a ser o futuro das nossas Crianças, Famílias e da Intervenção Precoce em Portugal.
Estamos enfim, a falar em EDUCAÇÃO, que se pressupõe ser alvo de investimento claro e objectivo por parte de um País.

Desta forma, o surgimento de uma nova legislação que venha gerar uma amputação da Intervenção Precoce, ao restringir-se a alterações permanentes nas funções e/ou no corpo da Criança, constituirá sem sombra de dúvidas um retrocesso na construção de algo, para o qual é tão difícil por vezes obter ganhos, conduzindo todos aqueles, em especial as Famílias, que tanto investem diariamente um pouco de si próprios para tal construção a um sentimento de desilusão e frustração.

Rui Manito - Primeiro peticionário da petição “Pela Melhoria da Intervenção Precoce em Portugal”, membro do Grupo Misto de Pais e Técnicos para a Intervenção Precoce

terça-feira, 6 de novembro de 2007

“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais” Dr. Joaquim Gronita (GMPT)

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
SUBCOMISSÃO PARA A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

Audição Parlamentar
“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais”

16 de Julho de 2007
Assembleia da República
Sala do Senado

Orador: Joaquim Gronita


Sra. Presidente da Subcomissão para a Igualdade de Oportunidades
Sras. e Srs. deputados
Sras. e Srs. Convidados

Bom dia.
Apresento a minha saudação à Subcomissão para a Igualdade de Oportunidades pela iniciativa de levar a cabo esta Audição e agradecer o convite que me foi formulado.

No Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos é extremamente oportuno reflectir acerca das políticas de prevenção existentes e do rumo que se perspectiva para as respostas a todas as crianças com necessidades especiais.

Reduzir estas respostas a situações de deficiência comprovada, excluindo toda a dimensão preventiva é manifestamente redutor e significa um retrocesso, relativamente a tudo o que tem sido investigação e experiência neste domínio, até porque não foram apresentadas alternativas credíveis e eficazes para o atendimento das restantes crianças. É imprescindível valorizar outros factores de risco ou mesmo perturbações em que não sendo possível atribuir, de imediato, um diagnóstico à criança, se traduzem, por vezes, em factores de risco de desenvolvimento bem mais elevados. Isto, sob pena de estarmos a desrespeitar várias Declarações Internacionais de que somos signatários e de não estarmos a proporcionar a igualdade de oportunidades a todas as crianças, à semelhança do que já aconteceu este ano lectivo, onde cresceu exponencialmente o nº. de crianças que não receberam o apoio de que necessitavam.

Sendo a Intervenção Precoce e a Educação Inclusiva dois aspectos diferentes, mas complementares da construção de uma sociedade inclusiva, são, indiscutivelmente, domínios prioritários de acção, tanto pelo impacto que têm na prevenção e minimização de desvantagens, como pelo papel que representam no quadro da promoção de direitos e de igualdade de oportunidades.

- Tenhamos então como premissa que quanto mais pequena é a criança, maior é a influência dos seus principais prestadores de cuidados no seu desenvolvimento.- Contudo a importância da intervenção com as famílias não se esgota na altura em que a criança ingressa num contexto pré-escolar, até porque alguns tipos de problemáticas só são detectáveis tardiamente.
- Por outro lado, a intervenção com as famílias também não se limita à assinatura de um qualquer plano elaborado por profissionais.
- Entre as muitas praticas identificadas e recomendadas, entende-se que promover o desenvolvimento de criança pequenas passa também por dar voz às suas famílias. Hoje, concretiza-se aqui um exemplo recomendado: as famílias, os profissionais, os peritos e as organizações da sociedade civil, reflectem em conjunto com os políticos, numa relação de parceria e de exercício de cidadania, na busca de orientações adequadas à realidade portuguesa. Num reforço democrático, verifica-se aqui a participação da sociedade civil na resolução dos seus próprios problemas.
- Apesar de aclamado teoricamente por todos, este processo não se encontra consolidado ao nível da administração central. No entanto, a nível local, este processo tem vindo a consolidar-se em muitas comunidades, pelo que a centralização obrigatória da tomada de decisão num único elemento da rede formal das comunidades, como por exemplo num centro de saúde, num agrupamento de escolas ou numa ONG, sem relações de paridade com os restantes membros da rede, constitui um verdadeiro retrocesso e, como tal, uma orientação política a evitar a todo o custo em nome do progresso.
- Como sempre defendemos, o Estado tem obrigação de incorporar nas decisões políticas as opiniões e sensibilidade das famílias, quanto mais não fosse, por serem as primeiras interessadas no modelo de organização dos apoios que recebem. Esta é também uma prática recomendada, decorrente das orientações científicas.
- Muitas ONGs, estatutariamente, representam as próprias famílias. Concomitantemente, só se poderá entender a sua relação com o Estado em paridade e parceria, tanto mais pelo igual reconhecimento democrático que lhes é devido. Urge definir o seu papel e respeitar a sua autonomia organizativa e técnica, garantindo-lhes a gestão e planeamento do trabalho dos seus sócios e/ou funcionários e garantindo-lhes possibilidade de se responsabilizarem pela qualidade de serviços que desenvolvem.
- Daqui, jamais se poderá equacionar que o Estado pretenda, em teoria, assumir a responsabilidade pelo atendimento em Intervenção Precoce, sem uma participação efectiva das famílias e ONGs e remetendo para estas últimas um papel supletivo à missão do Estado, funcionando apenas como meras prestadoras de serviços ou como executoras programas em cuja concepção não participam.
- A participação das ONGs deverá ser a todo o nível da estrutura da Intervenção Precoce, pois só assim conseguiremos uma verdadeira relação de parceria.
- Até ao momento, temos verificado a participação das ONG’s como entidades co-financiadoras da Intervenção Precoce, mas impedidas de tomar decisões acerca dos serviços que também financiam. Como último exemplo desta ausência de parceria, relembramos a exclusão das ONGs da constituição do grupo de trabalho que procedeu à avaliação da Intervenção Precoce em Portugal. A verdade é que as ONGs são entendidas como entidades promotoras da maior parte dos serviços existentes em Portugal, mas nem mesmo lhes é reconhecido o direito de conhecer as conclusões daquele relatório. Porquê?- Pela melhoria da intervenção precoce em Portugal importa publicar um diploma que não um Despacho, pois não se trata exclusivamente uma questão de organização interna dos diferentes Ministérios e salvaguardar o que o Despacho 891/99 tem de positivo, isto é entender a Intervenção precoce como:· “...uma medida de apoio integrada por acções de natureza preventiva e habilitativa...”;· Proporcionadora de “...condições facilitadoras do desenvolvimento da criança... e da melhoria da interacção familiar”;· “… uma actuação de natureza comunitária...”;· Requerente de “um processo integrado de actuação dos serviços... que exige:Envolvimento da FamíliaTrabalho de equipaPlano Individual de Intervenção”;· “O envolvimento da Família…” e “…a sua participação em todas as fases do processo...”;· Operacionalizada através de uma equipa que partilha “… entre si, de forma sistemática, os conhecimentos dos diferentes elementos...”.

É consensual que este documento orientador necessita de ser melhorado. Assim, é necessário clarificar alguns aspectos conceptuais, mas principalmente urge operacionalizar de forma clara e inequívoca a operacionalização da organização destas respostas, designadamente clarificando a forma como cada um dos parceiros participa na implementação da Intervenção Precoce, sem ter que inventar tudo de novo.

O saber acumulado ao longo de mais de 20 anos de experiência na implementação de respostas em Intervenção Precoce, dotaram as ONGs de propostas concretas para partilhar, mas que por limitações de tempo remetemos o seu desenvolvimento para outro momento, apenas dando alguns exemplos:
Ø A previsão de dotação em Orçamento Geral do Estado.
Ø Clarificação e Homogeneização dos procedimentos dos 3 Ministérios envolvidos em itens como:
o Afectação de funcionários públicos para a efectivação de respostas;
o Modalidades de contratação de profissionaiso Função avaliativa e de tutóriao etc.
Ø Agilizar a operacionalização da constituição de serviços, centrando os acordos de cooperação com as ONGs num único ministério, sem que daqui se depreenda a obrigatoriedade na articulação institucional.
Ø Sugere-se também a promoção de estabilidade das equipas, afectando os profissionais por mecanismos pluri-anuais.
Ø A especialização dos profissionais e um funcionamento em transdisciplinaridade, pelo que é necessário proporcionar oportunidade de coesão da equipa, sentido de pertença…
Ø Equipas constituídas por um nº de profissionais definido em função das necessidades identificadas.
Ø Sempre que se justifique, constituir um núcleo pluridisciplinar de profissionais, com horário totalmente afecto ao mesmo e não generalizar a afectação de tempo disponibilizado pelos diferentes serviços da comunidade, dando origem recursos humanos clivados no seu sentido de pertença, em nome de uma pseudo rentabilização de recursos
Ø Conferir uma liderança formal da equipa através de eleição ou outro mecanismo de designação.
Ø A participação num plano de actividades de prevenção primária, adequado às características da comunidade e respectivos grupos alvo.
Ø As equipas já em funcionamento deverão manter os seus profissionais a fim de garantir a qualidade e a continuidade das relações já estabelecidas com as famílias.
Ø A possibilidade de uma intervenção indirecta na criança, isto é junto dos adultos que com ela se relacionam, surgindo como possíveis destinatários da intervenção.
Ø Para além do objectivo centrado no desenvolvimento da criança contemplar:o Melhorar a qualidade de vida das crianças e das famílias;o Promover a inclusão social das crianças e famílias
Ø Sugere-se no que respeita à organização e gestão da Intervenção Precoce:
o A supervisão técnica e exterior à equipao E como nos aconselhou Bairrão & Almeida, em 2002, “partir das experiências positivas de alguns projectos integrados já existentes e procurar progressivamente alargá-las”, respeitando a diversidade existente.
o A homogeneização dos aspectos metodológicos da intervenção, deverá ocorrer da avaliação e investigação, conforme acordo as práticas recomendadas
Ø O Estado deverá incrementar uma Avaliação Externa de todo o sistema de Intervenção Precoce por uma estrutura independente, com envolvimento de estabelecimentos do Ensino superior, efectivada num consórcio inter universitário.

Todos quantos em Portugal têm contribuído para a implementação de respostas em Intervenção Precoce, no contacto directo com as famílias, já concluíram que esta resposta não se prescreve e também não se concretiza através de o chamado “trabalho com as famílias” que significa “convencer as famílias a fazer aquilo que os profissionais consideram mais adequado”. Constrói-se numa relação de parceria com a família, de acordo com o que ela sente necessário e de acordo com os recursos que consegue activar na comunidade.