ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
SUBCOMISSÃO PARA A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
Audição Parlamentar
“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais”
16 de Julho de 2007
Assembleia da República
Sala do Senado
Oradora: Drª Luisa Trindade
Esta foi a comunicação apresentada pela representante da Cercimor, do sector da Intervenção Precoce:
"A CERCIMOR, Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Montemor-o-Novo, surgiu em 1976, como tantas outras CERCI’s, por iniciativa de uma comissão de pais de crianças deficientes, de técnicos e de outras pessoas interessadas. Foi criada com o objectivo principal de dar respostas educativas a crianças e jovens deficientes e a outras situações de desadaptação social dos concelhos de Montemor-o-Novo, Vendas Novas, Arraiolos, Mora e Viana do Alentejo.
Ao longo dos anos, foram surgindo novos desafios e constituíram-se novas respostas:
- O Centro de Apoio Ocupacional,
- O Centro de Formação Profissional,
- O Projecto Sócio Educativo,
- O Centro de Emprego Protegido (CEP) "Artes e Ofícios
- Centro de Atendimento à Família e Apoio Parental (CAFAP)-
Finalmente, em 1993 é criado o serviço de Intervenção Precoce de Montemor-o-Novo, tendo como modelo o PIIP de Coimbra e a ajuda e amizade do Dr. Luís Borges.
Neste âmbito, foram criadas as parcerias com a Saúde, Segurança Social, Educação, e Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, sendo a Cercimor a entidade promotora do serviço.
Desde logo foi afecta uma equipa multidisciplinar, que faziam os apoios, a crianças e suas famílias dos 0 aos 6 anos, nos seus contextos de vida.
Deixando de lado a “estimulação precoce” que se refere só ao trabalho com a criança, passou-se para um novo modelo, em que também engloba a estimulação da criança, mas no seio da sua família, usando os recursos da sua comunidade.
Este novo serviço ouve as necessidades das famílias;
Dá-lhes apoio emocional (ouve as suas alegrias as suas tristezas, acredita nos seus sucessos);
- Dá suporte às famílias (na marcação de consultas e, por vezes , no acompanhamento e nos transportes;
- presta apoio informativo, (sobre o desenvolvimento da criança e recursos da comunidade).
Todo este serviço é prestado gratuitamente, respeitando os interesses, rotinas diárias, prioridades e forças das crianças e famílias.
Dá-lhes poder nas suas decisões, sem aumentar o seu cansaço e stress em deslocações às terapias, e de acordo com o que o Professor McWilliam, tem escrito e dito nos nossos congressos: “a criança aprende ao longo dos dias da semana e não em sessões específicas e limitadas. A visita é um serviço. A intervenção ocorre entre as visitas. É de máxima intervenção que a criança necessita.”
Outra questão também de grande importância é a idade em que começa a intervenção.
Quanto mais cedo for a sinalização e o apoio, maiores serão as probabilidades de sucesso na criança e mais fácil será a aceitação e o vínculo, no caso de deficiência, pela parte dos pais e da família alargada.
Em Montemor, no começo e durante alguns anos, a entidade que mais sinalizações fazia era a Educação, através dos jardins de infância, (por volta dos 4/5 anos).
Presentemente, graças ao grande empenho da Saúde e ao conhecimento do serviço na comunidade, as sinalizações são quase imediatas ao aparecimento da situação, em idades muito baixas e, em alguns casos, o acompanhamento já é feito ao casal, no período de gravidez.
O Despacho Conjunto nº 891/99, de 19 de Outubro, que define o enquadramento legal da IP,elaborado com grande sabedoria, só foi publicado depois de terem sido consultadas muitas entidades idóneas e com experiência na área da IP.
Em algumas regiões do País,o Despacho foi imediatamente implementado.
Em 2000, na Região do Alentejo, foram constituídos os vários patamares de coordenação, conforme estava previsto no Despacho: uma Equipa de Coordenação Regional, 3 Equipas de Coordenação Distritais e várias Equipas de Intervenção Directa,(EIDs) numa filosofia de articulação e rentabilização de serviços.
Nesta fase, o serviço de Intervenção Precoce de Montemor disponibilizou a sua experiência e conhecimentos, através de reuniões e formações teórico- práticas, com o apoio da saúde XXI, a todas as equipas do Alentejo para que, a implementação ocorresse da melhor forma possível, evitando cometerem-se alguns erros.
Analisando a avaliação efectuada às várias Formações, esta teve grande impacto na aceitação do modelo de IP, no Alentejo.
Todos os anos foram criadas novas respostas concelhias nos vários Distritos. A rede foi crescendo e melhorando as suas práticas!
De acordo com o relatório de actividades da ERA de 2006, praticamente todos os concelhos do Alentejo estão cobertos por Equipas multidisciplinares.
Tudo isto se deve à grande cooperação existente entre Famílias, Instituições, os três ministérios e as comunidades!
Muito dinheiro, tempo e energias têm sido investidos nesta área: formação, material didáctico, viaturas, reuniões com parceiros, com pais, investigações, informações às comunidades nacionais e internacionais.
Em Maio de 2006, em Montemor-o-Novo, um grupo de especialistas de várias universidades europeias, parceiros no Programa Grundtvig (Aprendizagens ao longo da vida – Programa Sócrates), através da Universidade do Minho, elogiaram a nossa legislação, querendo aprender connosco as boas práticas:
-”Como é que Portugal conseguiu fazer uma lei onde junta três ministérios (Saúde, Educação e Segurança Social), e Instituições, falando a mesma linguagem, usando estratégias comuns, discutindo sobre as problemáticas das crianças e suas famílias? – era a pergunta colocada pelos investigadores, e reveladora do interesse pela precursora experiência nacional.
A resposta a este pedido, foi uma nova candidatura a este Programa, com um Projecto na área da IP “Cooperando com os pais em IP”.
Quando tudo parecia caminhar para melhorar o já existente, sem se esperar pelo relatório de avaliação do Despacho, efectuado pelo Grupo Interdepartamental, surgem novidades terríveis, nomeadamente, da parte do Ministério da Educação. A perplexidade instalou-se!!
- as educadoras de infância com mais anos de serviço, mais formação e mais experiência na área da IP, candidatando-se ao Quadro de Educação Especial, seriam afastadas da IP;
- questiona-se a idade de abrangência da IP;
- fala-se na mudança dos critérios de elegibilidade;
- encara-se a deficiência numa perspectiva médica, (há muito posta de parte);
- a inquietação de que, outros técnicos (terapeutas, psicólogos ), não poderiam acompanhar as crianças, a partir dos 3 anos, em contexto de Jardim de Infância
Para nós, a Educação sempre foi e será um pilar essencial neste processo!!!
Ou será que se vão priorizar cuidados de saúde, higiene, segurança e deixar de lado a educação, quando todos estes sistemas já se articulavam, com alguma harmonia?
Na nossa prática, cada família é visitada semanal (uma a três vezes) ou quinzenalmente, de acordo com a problemática da criança e das suas necessidades, pelo seu responsável de caso (terapeuta, psicólogo, técnico de serviço social, educadora de infância).
Algumas destas famílias, com crianças até aos 6 anos, de baixos recursos económicos, que vivem em montes isolados geográfica e socialmente, sem acesso a transportes públicos e sem viatura própria (a algumas resta uma motorizada, como transporte familiar), têm unicamente como visitas, aquelas efectuadas por estes serviços acessíveis, flexíveis, responsáveis e que, percorrendo quilómetros, muitas vezes só o podendo fazer de jipe, lhes levam oportunidades de novas aprendizagens: brinquedos, panfletos, revistas, jornais e conversa; os elogios sobre os sucessos da sua criança, o programar novas metas e sempre a promessa de, na próxima visita, se fazerem outras “brincadeiras giras”!
João dos Santos referia, num trabalho que realizou numa Instituição destinada à reeducação de delinquentes, que alguns adolescentes com mais de 16 anos usavam brincadeiras solitárias com certos brinquedos, mais utilizados habitualmente por crianças pequenas (carrinhos). A observação deste comportamento levou-o a considerar que, existem certas etapas na vida destes jovens que foram “etapas queimadas”,e este tipo de brincadeiras surgiria pela necessidade de voltar atrás e experimentar alguma coisa que lhes tinha faltado no seu passado.
Se a legislação mudar…
Só para exemplificar o risco, que as crianças e famílias de Montemor e Vendas Novas correriam: das 135 crianças / famílias acompanhadas, só 10 crianças têm diagnósticos etiológicos e ficariam no Programa (autismo, Trissomia, sequelas de paralisia cerebral, alguns síndromes), se for mantido até aos 6 anos de idade! Todas as outras, 91 crianças com atrasos de desenvolvimento: com perturbações predominantemente nas áreas da linguagem/comunicação, comportamento/interacção e psicomotor; e 32 em risco de atraso no seu desenvolvimento, devido às interacções familiares perturbadas, pais com deficiência mental e famílias em isolamento geográfico e social, ficarão fora do Programa!
Por tudo o que foi dito, acreditamos que esta instabilidade será passageira e que, num País que tem demonstrado interesse e preocupação em seguir um modelo, defendido pelos mais ilustres investigadores nacionais e internacionais, com princípios ecológicos, sistémicos, inclusivos, comunitários e de rentabilização de serviços, não se deite por terra anos e anos de boas práticas.
As Equipas precisam de tranquilidade e estabilidade para poderem desempenhar com sucesso as suas funções.
As crianças e famílias com quem trabalhamos merecem o nosso respeito.
Por elas, não podemos correr riscos de experimentalismos gratuitos, nem de aventureirismos precipitados.
Termino, com uma frase de Frederico Mayor, que é também, e hoje, um grito de apelo à vossa consciência:
«O Mundo que deixamos às nossas crianças depende em grande parte das crianças que deixarmos ao nosso mundo».
Tenho dito, Obrigada."
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
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