terça-feira, 6 de novembro de 2007

“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais” Dr. Joaquim Gronita (GMPT)

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
SUBCOMISSÃO PARA A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

Audição Parlamentar
“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais”

16 de Julho de 2007
Assembleia da República
Sala do Senado

Orador: Joaquim Gronita


Sra. Presidente da Subcomissão para a Igualdade de Oportunidades
Sras. e Srs. deputados
Sras. e Srs. Convidados

Bom dia.
Apresento a minha saudação à Subcomissão para a Igualdade de Oportunidades pela iniciativa de levar a cabo esta Audição e agradecer o convite que me foi formulado.

No Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos é extremamente oportuno reflectir acerca das políticas de prevenção existentes e do rumo que se perspectiva para as respostas a todas as crianças com necessidades especiais.

Reduzir estas respostas a situações de deficiência comprovada, excluindo toda a dimensão preventiva é manifestamente redutor e significa um retrocesso, relativamente a tudo o que tem sido investigação e experiência neste domínio, até porque não foram apresentadas alternativas credíveis e eficazes para o atendimento das restantes crianças. É imprescindível valorizar outros factores de risco ou mesmo perturbações em que não sendo possível atribuir, de imediato, um diagnóstico à criança, se traduzem, por vezes, em factores de risco de desenvolvimento bem mais elevados. Isto, sob pena de estarmos a desrespeitar várias Declarações Internacionais de que somos signatários e de não estarmos a proporcionar a igualdade de oportunidades a todas as crianças, à semelhança do que já aconteceu este ano lectivo, onde cresceu exponencialmente o nº. de crianças que não receberam o apoio de que necessitavam.

Sendo a Intervenção Precoce e a Educação Inclusiva dois aspectos diferentes, mas complementares da construção de uma sociedade inclusiva, são, indiscutivelmente, domínios prioritários de acção, tanto pelo impacto que têm na prevenção e minimização de desvantagens, como pelo papel que representam no quadro da promoção de direitos e de igualdade de oportunidades.

- Tenhamos então como premissa que quanto mais pequena é a criança, maior é a influência dos seus principais prestadores de cuidados no seu desenvolvimento.- Contudo a importância da intervenção com as famílias não se esgota na altura em que a criança ingressa num contexto pré-escolar, até porque alguns tipos de problemáticas só são detectáveis tardiamente.
- Por outro lado, a intervenção com as famílias também não se limita à assinatura de um qualquer plano elaborado por profissionais.
- Entre as muitas praticas identificadas e recomendadas, entende-se que promover o desenvolvimento de criança pequenas passa também por dar voz às suas famílias. Hoje, concretiza-se aqui um exemplo recomendado: as famílias, os profissionais, os peritos e as organizações da sociedade civil, reflectem em conjunto com os políticos, numa relação de parceria e de exercício de cidadania, na busca de orientações adequadas à realidade portuguesa. Num reforço democrático, verifica-se aqui a participação da sociedade civil na resolução dos seus próprios problemas.
- Apesar de aclamado teoricamente por todos, este processo não se encontra consolidado ao nível da administração central. No entanto, a nível local, este processo tem vindo a consolidar-se em muitas comunidades, pelo que a centralização obrigatória da tomada de decisão num único elemento da rede formal das comunidades, como por exemplo num centro de saúde, num agrupamento de escolas ou numa ONG, sem relações de paridade com os restantes membros da rede, constitui um verdadeiro retrocesso e, como tal, uma orientação política a evitar a todo o custo em nome do progresso.
- Como sempre defendemos, o Estado tem obrigação de incorporar nas decisões políticas as opiniões e sensibilidade das famílias, quanto mais não fosse, por serem as primeiras interessadas no modelo de organização dos apoios que recebem. Esta é também uma prática recomendada, decorrente das orientações científicas.
- Muitas ONGs, estatutariamente, representam as próprias famílias. Concomitantemente, só se poderá entender a sua relação com o Estado em paridade e parceria, tanto mais pelo igual reconhecimento democrático que lhes é devido. Urge definir o seu papel e respeitar a sua autonomia organizativa e técnica, garantindo-lhes a gestão e planeamento do trabalho dos seus sócios e/ou funcionários e garantindo-lhes possibilidade de se responsabilizarem pela qualidade de serviços que desenvolvem.
- Daqui, jamais se poderá equacionar que o Estado pretenda, em teoria, assumir a responsabilidade pelo atendimento em Intervenção Precoce, sem uma participação efectiva das famílias e ONGs e remetendo para estas últimas um papel supletivo à missão do Estado, funcionando apenas como meras prestadoras de serviços ou como executoras programas em cuja concepção não participam.
- A participação das ONGs deverá ser a todo o nível da estrutura da Intervenção Precoce, pois só assim conseguiremos uma verdadeira relação de parceria.
- Até ao momento, temos verificado a participação das ONG’s como entidades co-financiadoras da Intervenção Precoce, mas impedidas de tomar decisões acerca dos serviços que também financiam. Como último exemplo desta ausência de parceria, relembramos a exclusão das ONGs da constituição do grupo de trabalho que procedeu à avaliação da Intervenção Precoce em Portugal. A verdade é que as ONGs são entendidas como entidades promotoras da maior parte dos serviços existentes em Portugal, mas nem mesmo lhes é reconhecido o direito de conhecer as conclusões daquele relatório. Porquê?- Pela melhoria da intervenção precoce em Portugal importa publicar um diploma que não um Despacho, pois não se trata exclusivamente uma questão de organização interna dos diferentes Ministérios e salvaguardar o que o Despacho 891/99 tem de positivo, isto é entender a Intervenção precoce como:· “...uma medida de apoio integrada por acções de natureza preventiva e habilitativa...”;· Proporcionadora de “...condições facilitadoras do desenvolvimento da criança... e da melhoria da interacção familiar”;· “… uma actuação de natureza comunitária...”;· Requerente de “um processo integrado de actuação dos serviços... que exige:Envolvimento da FamíliaTrabalho de equipaPlano Individual de Intervenção”;· “O envolvimento da Família…” e “…a sua participação em todas as fases do processo...”;· Operacionalizada através de uma equipa que partilha “… entre si, de forma sistemática, os conhecimentos dos diferentes elementos...”.

É consensual que este documento orientador necessita de ser melhorado. Assim, é necessário clarificar alguns aspectos conceptuais, mas principalmente urge operacionalizar de forma clara e inequívoca a operacionalização da organização destas respostas, designadamente clarificando a forma como cada um dos parceiros participa na implementação da Intervenção Precoce, sem ter que inventar tudo de novo.

O saber acumulado ao longo de mais de 20 anos de experiência na implementação de respostas em Intervenção Precoce, dotaram as ONGs de propostas concretas para partilhar, mas que por limitações de tempo remetemos o seu desenvolvimento para outro momento, apenas dando alguns exemplos:
Ø A previsão de dotação em Orçamento Geral do Estado.
Ø Clarificação e Homogeneização dos procedimentos dos 3 Ministérios envolvidos em itens como:
o Afectação de funcionários públicos para a efectivação de respostas;
o Modalidades de contratação de profissionaiso Função avaliativa e de tutóriao etc.
Ø Agilizar a operacionalização da constituição de serviços, centrando os acordos de cooperação com as ONGs num único ministério, sem que daqui se depreenda a obrigatoriedade na articulação institucional.
Ø Sugere-se também a promoção de estabilidade das equipas, afectando os profissionais por mecanismos pluri-anuais.
Ø A especialização dos profissionais e um funcionamento em transdisciplinaridade, pelo que é necessário proporcionar oportunidade de coesão da equipa, sentido de pertença…
Ø Equipas constituídas por um nº de profissionais definido em função das necessidades identificadas.
Ø Sempre que se justifique, constituir um núcleo pluridisciplinar de profissionais, com horário totalmente afecto ao mesmo e não generalizar a afectação de tempo disponibilizado pelos diferentes serviços da comunidade, dando origem recursos humanos clivados no seu sentido de pertença, em nome de uma pseudo rentabilização de recursos
Ø Conferir uma liderança formal da equipa através de eleição ou outro mecanismo de designação.
Ø A participação num plano de actividades de prevenção primária, adequado às características da comunidade e respectivos grupos alvo.
Ø As equipas já em funcionamento deverão manter os seus profissionais a fim de garantir a qualidade e a continuidade das relações já estabelecidas com as famílias.
Ø A possibilidade de uma intervenção indirecta na criança, isto é junto dos adultos que com ela se relacionam, surgindo como possíveis destinatários da intervenção.
Ø Para além do objectivo centrado no desenvolvimento da criança contemplar:o Melhorar a qualidade de vida das crianças e das famílias;o Promover a inclusão social das crianças e famílias
Ø Sugere-se no que respeita à organização e gestão da Intervenção Precoce:
o A supervisão técnica e exterior à equipao E como nos aconselhou Bairrão & Almeida, em 2002, “partir das experiências positivas de alguns projectos integrados já existentes e procurar progressivamente alargá-las”, respeitando a diversidade existente.
o A homogeneização dos aspectos metodológicos da intervenção, deverá ocorrer da avaliação e investigação, conforme acordo as práticas recomendadas
Ø O Estado deverá incrementar uma Avaliação Externa de todo o sistema de Intervenção Precoce por uma estrutura independente, com envolvimento de estabelecimentos do Ensino superior, efectivada num consórcio inter universitário.

Todos quantos em Portugal têm contribuído para a implementação de respostas em Intervenção Precoce, no contacto directo com as famílias, já concluíram que esta resposta não se prescreve e também não se concretiza através de o chamado “trabalho com as famílias” que significa “convencer as famílias a fazer aquilo que os profissionais consideram mais adequado”. Constrói-se numa relação de parceria com a família, de acordo com o que ela sente necessário e de acordo com os recursos que consegue activar na comunidade.