quarta-feira, 7 de novembro de 2007

“As crianças e a igualdade de oportunidades: riscos múltiplos, necessidades especiais” Rui Manito (GMPT)

Audição Parlamentar

“As crianças e a igualdade de oportunidades:
riscos múltiplos, necessidades especiais”

16 de Julho de 2007
Orador: Rui Manito


Face a um conjunto de medidas assumidas, pelo Ministério da Educação em matérias de Educação Especial e de Intervenção Precoce na Infância, foi organizado a partir de Março de 2006, um grupo de trabalho misto, constituído por Pais e Técnicos, que tem promovido a discussão, e tem levado a cabo uma série de iniciativas com visibilidade pública.

Estas iniciativas têm por objectivo, a curto prazo, barrar a utilização dos critérios de elegibilidade dos projectos ao abrigo da alínea c) da Portaria 1102/97. Temos vindo a desenvolver alguma pressão junto dos media, e paralelamente apresentámos à Assembleia da República a petição “Pela Melhoria da Intervenção Precoce em Portugal”, discutida recentemente em sessão plenária.

A longo prazo é objectivo deste grupo, continuar a promover a discussão sobre a Intervenção Precoce, bem como proteger e/ou garantir determinados aspectos que se traduzem por:
 Abranger qualquer necessidade especial das Crianças entre os zero e os seis anos de idade;
 Centrar na Família o âmbito de actuação, nomeadamente facultando-lhe de forma integrada e articulada:
 Apoio social;
 Apoio emocional;
 Apoio médico;
 Apoio terapêutico;
 Apoio na gestão doméstica e familiar;
 Informação e Formação sobre:
 Recursos técnicos ajustados e adequados;
 Apoios disponíveis;
 Direitos das Famílias;
 Direitos das Crianças;
 Estratégias para lidar com cada situação em particular.

Tudo isto subentende a existência de uma equipa de profissionais diversificada e com horários sobrepostos.

Assim, enquanto Porta Voz das Famílias, partimos do principio que uma Intervenção Precoce de qualidade é uma medida de apoio integrado, centrada na família, mediante acções de natureza preventiva e habilitativa, designadamente no âmbito da educação, saúde e da acção social, que consiste na prestação de serviços a Crianças desde o nascimento até aos 6 anos de idade, realizada por equipas transdisciplinares, promovendo a saúde e o bem estar, potenciando as suas competências emergentes, minimizando os atrasos de desenvolvimento, remediando deficiências existentes ou emergentes e promovendo as competências adaptativas dos Pais e o funcionamento global das Famílias.

Da experiência pessoal de cada Pai e Mãe, ou seja, das Famílias com Crianças em situação de risco, sobressai num primeiro momento um sentimento de grande aflição entre o momento em que pressentimos que os nossos filhos apresentam algum problema, até à identificação de um possível diagnóstico. Os momentos de sinalização e acompanhamento pelas equipas de Intervenção Precoce revestem-se de alguma tranquilidade e da perspectiva de um caminho que acreditamos ser acompanhado e contextualizado a par e passo.

A partir do momento em que existe uma criança em risco, é a própria Família que está vulnerabilizada, logo em risco. Daí que a abordagem centrada na Família seja um dos aspectos fundamentais de intervenção e que defendemos.

A nossa participação aqui, reveste-se de extrema importância, já que se perspectivam alterações legislativas que vêm colocar em causa não só um modelo de intervenção amplamente investigado, os seus resultados junto das Famílias e Crianças, bem como a estruturação de um trabalho, que em algumas comunidades tem reflectido também a promoção do papel de cidadãos de todos aqueles que estão envolvidos na Intervenção Precoce em Portugal.

Assim, consideramos estarem em risco vários aspectos cruciais na implementação do trabalho de Intervenção Precoce.

O sentimento de que a Família é um membro activo no processo de intervenção nas Crianças, no que respeita à troca de ideias e formas de gerir situações com que Famílias e Técnicos são confrontados diariamente. Este processo de troca, que surge no quotidiano com a frequência que tanto Pais como Técnicos sintam ser necessário, é partilhado no dia a dia com equipas na sua constituição pluridisciplinares. Receamos por isso, que tais encontros passem a ser também eles objecto de critério ou até objecto de legislação, sendo definida a sua periodicidade, e assim diminuída a sua ocorrência.

Receamos também, pelo afastamento das Famílias nos processos de parceria existentes e das tomadas de decisão conjuntas, sendo-lhes imposto a aceitação e subscrição de um plano de intervenção.

Receamos igualmente que o contributo por parte dos principais interessados – Famílias – seja restrito ou mesmo não tido em conta.

Tememos que a intervenção em meio natural da Criança, ou nos contextos de vida onde está a maior parte do tempo seja descriminado.

Deixa-nos perplexos o eventual afastamento da Intervenção Precoce no trabalho com crianças com perturbações de desenvolvimento não visíveis nem permanentes, apostando-se somente em deficiências diagnosticáveis até aos 35 meses de idade, consideradas de carácter prolongado ou permanente. Consideramos estar em causa a perspectiva preventiva que defendemos, em detrimento de uma perspectiva remediativa de intervenção na deficiência. No nosso entender, a intervenção precoce não é tão somente intervenção na deficiência. Para nós a Intervenção Precoce existe para que se previna a deficiência, ou seja para que as dificuldades não sejam permanentes.

Assim, assusta-nos que se defenda somente a implementação da Intervenção Precoce nos jardins de infância públicos. Questionamos a capacidade de resposta destes estabelecimentos para crianças a partir dos 3 anos de idade inclusive, bem como os respectivos horários de funcionamento, que não se coadunam com as dificuldades e necessidades das Famílias.

Apesar de defendermos uma escola pública, defendemos também a sua qualidade, assim como a definição de necessidades e a liberdade de escolha das Famílias. Chama-se a isto também, abordagem centrada na família.
Apesar do pressuposto da escola inclusiva ser aceite e defendida por todos, questionamos, que escola inclusiva. Continuará o pressuposto da abordagem centrada na família? Serão implementadas no terreno equipas transdisciplinares? Serão realizados encontros de avaliação e acompanhamento sistemáticos? Será implementada uma intervenção pela prevenção?

Ao longo do tempo de existência do grupo de Pais e Técnicos, propusemos ser ouvidos pelo Grupo Interdepartamental, que realizou ou estará a realizar um relatório de avaliação sobre o estado da intervenção precoce em Portugal. Desconhecemos ainda os resultados do relatório, apesar das Famílias enquanto parte visada e interessada no levantamento efectuado, ter manifestado disponibilidade, mas não termos sido ouvidos, sendo inclusive remetidos para sede própria.

São estas preocupações e receios que nos levam enquanto Pais e Técnicos, e também cidadãos, a tomar uma posição pública sobre o que poderá vir a ser o futuro das nossas Crianças, Famílias e da Intervenção Precoce em Portugal.
Estamos enfim, a falar em EDUCAÇÃO, que se pressupõe ser alvo de investimento claro e objectivo por parte de um País.

Desta forma, o surgimento de uma nova legislação que venha gerar uma amputação da Intervenção Precoce, ao restringir-se a alterações permanentes nas funções e/ou no corpo da Criança, constituirá sem sombra de dúvidas um retrocesso na construção de algo, para o qual é tão difícil por vezes obter ganhos, conduzindo todos aqueles, em especial as Famílias, que tanto investem diariamente um pouco de si próprios para tal construção a um sentimento de desilusão e frustração.

Rui Manito - Primeiro peticionário da petição “Pela Melhoria da Intervenção Precoce em Portugal”, membro do Grupo Misto de Pais e Técnicos para a Intervenção Precoce